Não ainda!


Depois de ter-nos exortado de todas as maneiras a seguir mais seriamente e mais amorosamente o Senhor Jesus no seu caminho, a Quaresma agora parece quase querer impedir-nos de dar qualquer passo em frente, como acontecera já com os primeiros discípulos. Na fraqueza de Judas que trai e na cobardice de Pedro de renega, contemplamos hoje a parte da nossa humanidade que não pode entrar em aliança com Deus antes de alcançada e salvada pelo seu amor.
O Mestre não é um ingénuo, conhece bem aqueles que escolheu, as suas fragilidade e os seus corações endurecidos. E, talvez, depois de três anos de vida em comum, no seu animo cresce o desconforto de quem não vê ainda os frutos de tanta generosa sementeira: “em vão me cansei , em vento e em nada gastei as minhas forças” (Is 49,4). Mas mais forte é seguramente o testemunho interior do amor fiel do Pai, que o Senho Jesus reconhece dentro de si como uma palavra segura e digna de fé: “Tu és o meu servo, em ti serei glorificado” (Is 39,3). O mestre compreende que chegou a hora muito especial, na qual a nada valeria escapar ou renunciar. Chegou a hora em que o perfume do amor de Deus precisa tornar-se como uma luz que se irradia até alcançar os extremos confins da vida e da morte.
Diante desta expansão luminosa encontrámos porém duas pessoas que não conseguem acolher a gratuidade do dom. Diante do perfume do homem autêntico, permanece o cheiro ultrapassado dos homens, desgostosa fragrância dos discípulos ainda inconscientes do dom de Deus e inconscientes da sua pobreza. Judas decidiu já de trair o Mestre porque não partilha o modo com que “Deus revelará a glória do Filho do Homem, e há-de revelá-la muito em breve” (Jo 13,32).
Jesus denuncia o tropeçamento presente no coração de Judas com um gesto elegantíssimo, com o qual transforma a traição em voluntária oferta: molhando um pedaço de pão lho deu (cf. Jo 13,26). Mas tem ainda Pedro, que ficou vencido pela sua vontade de poder: “daria a vida por ti” (Jo 13,37). Responde-lhe Jesus: “darias a vida por mim? Em verdade, em verdade te digo: não cantará o galo, antes de me teres negado três vezes!” (Jo 13,38) O problema de Pedro é ainda mais grave que o de Judas porque é velado, se esconde debaixo de um manto de heróico zelo. Pedro não compreendeu ainda que ser discípulo não significa dar a vida por Deus, mas acolher a sua vida que nos é oferecida e sucessivamente restituir-la aos irmãos por amor.
Se em Judas vemos o mal do qual somos salvados, em Pedro podemos reconhecer o bem do qual o Senhor deve também salvar-nos. O primeiro e o último dos discípulos representam a nossa humanidade que tropeça diante do gratuito e da caridade de Deus, um dom que não podemos nem negar (Judas) nem conquistar (Pedro), mas que devemos aprender a receber gratuitamente. É isto mesmo que o Senhor Jesus procura dizer com a sua consentimento que se faz comando: “o que tens a fazer fá-lo depressa” (Jo 13,27) e predição: “não cantará o galo, antes de me teres negado três vezes” (Jo 13,38).
O Mestre diz-nos em antecipação o nosso pecado, para que possamos compreender que ele (o pecado) não é capaz de parar o seu amor por nós. O perfume de Cristo precisa difundir-se próprio sobre este cheiro de falso zelo (Pedro) e de virilidade ferida (Judas), docemente, sem medo, para que se cumpra em nós e para nós toda a profecia de salvação.

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